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Comer menos (e melhor) para viver mais

A quantidade de alimentos que ingerimos influencia a nossa longevidade. Muitos especialistas já defendem uma restrição calórica urgente .

Um estudo da Universidade de Coimbra contribuiu, recentemente, para uma certeza da ciência ainda sem explicação bem definida. A quantidade de alimentos que ingerimos influencia o tempo que vamos viver. A evidência científica de que comer menos nos pode ajudar a viver mais já tem várias décadas, mas a explicação para o fenómeno é um mistério em aberto que tem ocupado diversos centros de investigação na procura de respostas. A descoberta mais recente nesta área, divulgada na revista norte-americana Procedings of National Academy of Sciences, pertence a uma equipa do estabelecimento universitário que identificou o mecanismo que permite que as nossas células se mantenham jovens quando submetidas a períodos de carência alimentar.

À conversa com Cláudia Cavadas, coordenadora da investigação do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) e líder da equipa que conduziu o estudo, fomos perceber como é que as conclusões desta pesquisa podem contribuir para travar o envelhecimento e as doenças que lhe estão associadas. Para passar da teoria à prática, pedimos a Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso, estratégias para criar uma dieta de restrição calórica. O nosso especialista em medicina antienvelhecimento, Luis Romariz, também comenta o estudo.

A investigação que liderou descobriu o mecanismo que potencia o processo de reciclagem das células, a autofagia. Como o descreve?

A autofagia é um mecanismo de controlo de qualidade dentro das células. Ocorre em todas as células e consiste num processo de limpeza ou reciclagem, em que estas digerem constituintes de que não precisam ou que estão degradados. A célula coloca esses componentes dentro de estruturas (como sacos fechados) e degrada o que fica dentro do saco, podendo reutilizar/reciclar parte dos constituintes que foram degradados. Quando ocorre uma deficiência na autofagia, as células não funcionam bem e envelhecem. Por outro lado, se a autofagia for demasiado estimulada, pode ocorrer a autodigestão da célula, levando à sua morte.

Como é que ingerir menos calorias pode retardar o envelhecimento?

Vários grupos de investigação têm tentado responder a essa pergunta. Existem diversas explicações possíveis. Uma delas pode ser o facto de a restrição calórica aumentar a autofagia, levando a célula a livrar-se do lixo. Mas já foi observado que, com o avançar da idade, as células têm menos capacidade de realizar autofagia e começam a acumular-se proteínas que são tóxicas. Esta diminuição da autofagia pode potenciar o aparecimento de doenças associadas ao envelhecimento, como sejam os problemas cardiovasculares, oncológicos, a doença de Alzheimer, Parkinson, diabetes tipo 2, osteoporose, entre outras…

O que é a que a ciência sabe sobre a restrição calórica e o envelhecimento?

A restrição calórica faz com que os animais de laboratório, como as moscas ou ratos, vivam mais tempo, aumentando assim a longevidade. Alguns estudos mostram que ao submeter um rato a restrição calórica de 30 por cento, esse animal vive 30 por cento mais tempo do que o animal que tinha acesso à comida sem limitações.

E a que equivale essa percentagem na dieta?

A restrição calórica de 30 por cento corresponde a uma alimentação com menos 30 por cento das calorias que aquele animal necessitaria, sem alteração da quantidade de nutrientes essenciais, e adaptada a cada animal, para que o seu peso se mantenha estável. Inicialmente, pode haver uma redução de peso, mas depois este deverá ser mantido. Os investigadores já mostraram que os animais em restrição calórica apresentam menos doenças associadas ao envelhecimento e menos cancro.

O que descobriu a sua equipa de inédito?

A área cerebral que estudámos foi o hipotálamo, responsável por funções como a fome, a sede e o sono, e que, segundo algumas investigações, é também importante no processo de envelhecimento. É lá que se encontram os neurónios que regulam o apetite e que produzem uma proteína pequena (um peptídeo), denominada NPY. Quando temos fome, esses neurónios fabricam NPY e libertam-no.

Uma vez fora dos neurónios, o NPY liga-se a outros neurónios que vão informar outras partes do cérebro que temos fome. O nosso trabalho sugere que a restrição calórica aumenta a quantidade de NPY no hipotálamo e que este, por sua vez, aumenta a autofagia. Quando o organismo não tem calorias suficientes, começa a consumir as substâncias que causam o envelhecimento para se autoalimentar.

A distribuição calórica deve ser estrutural (sempre e para sempre) ou só algumas vezes por semana?

Nos animais de laboratório é sempre e para sempre. Nas pessoas, é muito difícil manter essa regra, mas alguns estudos parecem mostrar que a restrição calórica intermitente (fazer jejum alguns dias) também é benéfica.

Que alimentos devem ser privilegiados numa dieta deste tipo?

Os alimentos pouco calóricos. Como em qualquer dieta, o importante é ter uma alimentação variada, equilibrada e com o mínimo de gorduras saturadas. Comer menos é benéfico para viver mais tempo com saúde. Mas menos também tem de ser bem.

Que impacto esperam atingir com esta descoberta?

O nosso estudo explica e suporta que a restrição calórica é benéfica, mas que não existe uma única explicação e estão vários mecanismos envolvidos. No futuro, o ideal seria ter algum fármaco, quem sabe parecido com o NPY, que imitasse os benefícios da restrição calórica, sem termos o desconforto de controlar a quantidade de comida ingerida. São os chamados miméticos da restrição calórica. Mas esse comprimido da longevidade ainda não existe.

Já foram estudadas populações que praticam a restrição calórica?

Têm sido desenvolvidos alguns estudos, mas, por agora, é difícil ter a certeza se os benefícios são devido às baixas calorias ou ao tipo de alimentos ingeridos. No Japão, na ilha Okinawa, existem pessoas centenárias que se pensa viverem muito tempo por causa da alimentação e/ou restrição calórica. Eles até dizem que devemos sair da mesa quando estivermos 80 por cento satisfeitos.

Gestos saudáveis a implementar à mesa

Ponha em prática ideias-chave para planear a sua dieta anti-idade, por Teresa Branco, fisiologista na gestão de peso:

– Personalize

A restrição calórica deve respeitar o metabolismo e exigências de cada um, considerando se pratica desporto, a idade, sexo ou etnia. Mesmo entre mulheres com características similares, dependerá do perfil hormonal.

– Trace metas

O plano deve ter em conta o propósito da redução de calorias. Se o objetivo for o emagrecimento, implica uma restrição maior. Por exemplo, uma mulher magra, sedentária que consome entre 1500 a 1600 calorias por dia, não deve eliminar mais de 100 (em alternativa pode aumentar o exercício físico). Um homem magro, jovem, que pratica exercício e cujo consumo diário é de 2500 a 3000 calorias, não deve reduzir mais de 200. Se tiver excesso de peso, pode retirar 500 a 800.

– Avance com moderação

A diferença entre as calorias que gasta e as que ingere não pode ser muito significativa. Caso contrário, estará sempre com fome.

– Aposte nos nutrientes

Numa dieta de défice calórico é necessário privilegiar alimentos muito nutritivos, como os minerais, as vitaminas, as proteínas, as gorduras saudáveis. A alimentação deve ser à base de vegetais, fruta, peixes gordos, proteínas boas de origem animal, como os ovos e a carne de aves.

Como preservar a juventude sem calorias

A análise de Luiz Romariz, especialista em medicina antienvelhecimento, não deixa margem para dúvidas. O especialista acredita que as investigações sobre o envelhecimento têm levado a comunidade científica a descobertas que há uma geração seriam impensáveis. Luis Romariz, especialista em medicina antienvelhecimento, considera que «este estudo é mais um elo na cadeia da descoberta e aplicação clínica do aumento da longevidade». Para conseguir a restrição calórica que proporcione a autofagia, o médico sublinha que «é necessário fazer uma alimentação apenas com três refeições, proteica, pois é estruturante e representa 72 por cento do nosso resíduo seco (músculos, imunoglobulinas, pele, cabelo, órgãos), com gordura saudável (azeite, óleo de coco e abacate) e com hidratos de carbono de baixo índice glicémico (fruta e legumes, batata-doce e frutos secos)», refere.

O médico refere a sugestão com a necessidade de «ter o menor impacto possível na produção de insulina». Existem várias formas de aplicar a restrição calórica mantendo o aporte correto de nutrientes, defende Luís Romariz, que advoga «o jejum intermitente». «Este pode ser conseguido, jejuando dois dias por semana ou fazendo períodos de jejum de mais de 12 horas, sempre com restrição da carga glicémica», acrescenta ainda o especialista.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Cláudia Cavadas (investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular e professora na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra), Teresa Branco (fisiologista na gestão do peso e diretora do Instituto Profª. Teresa Branco) e Luís Romariz (médico especialista em medicina antienvelhecimento)

Fonte: Portugal Senior

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